Filho de pai
incógnito e da Fany, nasceu um dia
em Nambuangongo um lindo cão de pelo amarelo, entroncado de tal forma que fazia
lembrar um bezerro charolês . deram-lhe o nome de um grande poeta português,
mas para não insultar a memoria do poeta, chamar-lhe-ia simplesmente “C”, ou se
os meus colegas das transmissões me permitem, “Charlie”.
O tempo passou, o
cão foi crescendo, o Batalhão que estava na zona foi transferido e a CCS que
lhe dava guarida levou-o consigo para Ambrizete.
Ai o encontramos
nos quando chegamos em Janeiro de 1972
e como o ele punha um ponto de honra em acompanhar o Pelotão da
Companhia nas suas saídas também nos decidimos aceder ao seu pedido sempre que
ele nos pedia boleia.
Antes que
ficássemos enjoados de marisco e de praia, foi-nos proposta uma viagem até à
região do café. Não iríamos até Carmona, capital do precioso néctar, ficaríamos
aproximadamente a meio do caminho. Nambuangongo, ta bem? Nambu. Caro a Manuel
Alegre.
Em
Nambuangongo, olhei a morte e fiquei nu
Em Nambu. a gente lembra, a gente esquece
Tu não sabes, mas eu digo-te: dói muito
Em
Nambu. ha gente que apodrece.
M.A.(?)
Mas era do cão
que a gente falava, evidentemente.
Um cão nascido na mata, não podia nem devia ficar em Ambrizete; corria o risco
de perder-se na vila, ser atropelado por um automóvel, quem sabe cair ao mar. Não, o nosso Charlie
voltaria à terra dos seus antepassados, e no dia aprazado, em companhia de
outros “cães,” “embarcaríamos” rumo à capital dos Dembos.
Sob o sol que o viu
nascer, começou por adoptar uma postura de chefe, ou
príncipe. Instalado entre a caserna do pel-rec e a dos escriturários, não
admitia que qualquer cão penetrasse nos “seus” domínios e como dominava o
flanco Sul da colina, parecia dizer: estejam descansados, se o capitão subir,
eu aviso.
Começaram
entretanto os anos a pesar-lhe sobre os ombros, e o reumatismo a
“corroer-lhe”os ossos, e, manquejando entre o seu “posto de observação” e o
refeitório, escrutava o além convencido
talvez que mais ninguém o levaria para longes terras. Antevendo o fim a
aproximar-se, decidiu passar as noites do lado oposto, talvez a fim de saudar
os colegas da Madureira, quem sabe respirar o ar do Canacassala, e um dia não
mais acordou. Certa manha, o
sentinela do posto Norte, esfregou os olhos ao ver aquela “mancha” amarela no
tapete verde do capim, e apenas pode constatar que o nosso CHARLIE
mergulhara num sono eterno. Não
houve alaridos, não tocaram os sinos. Naquela guerra, mesmo quando morriam os
homens, havia certo “pudor” não
sei se havia censura a cobrir os factos.
Pensei estas
linhas, também a fim de que os
veteranos do B. Art. 2900 saibam que o Cão deles que também foi nosso,
regressou à sua Terra Natal onde morreu e foi
sepultado.
(Requiesca in pace)
Os cães, esses não faziam mal a ninguém.
António S. Leitão.
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