Na noite escura, um estrondo. Inútil consultar o calendario a fim de saber qual a localidade que estava em festa, ou quem deitava foguetes. Nao; nao havia lugar nem tempo em Nambuangongo para festas ou romarias. Aguardamos as primeiras informações e estas nao tardaram: A escassas dezenas de quilómetros, uma Fazenda estava sob fogo inimigo.
Creio que nao era costume a infantaria ir ajudar os "vizinhos durante a noite; se a artilharia o pudesse fazer, tanto melhor. Continuamos na expectativa; foi entao que irrompeu no nosso reduto um Land-Rover. Aos solavancos pela picada, um dos membros da guarnição que protegia a Roça, fez o trajecto até ao nosso quartel com um ferido na carroçaria, na esperança que o nosso médico o pudesse salvar.
Com alguns colegas fui até à enfermaria. Estendido numa cama, ainda com os olhos abertos, jazia um corpulento homem de cor. O ventre aberto expunha um monte de vísceras. E indescritível o que se sente em tais circunstancias. O médico tacteava-lhe o que restava intacto da barriga, enquanto o Comandante do meu Pelotão, observava num tom que mais parecia uma suplica: estes tipos sao muito resistentes, ao que o médico respondia com um lacónico "nao".
Esgotavam-se as esperanças. Ja o enfermeiro de serviço lhe aplicava uma injecção, talvez a fim de que o nosso homem, sofresse o menos possível. Quando se entrava na antecâmara da morte, o "prémio" era uma injecção de morfina.
Nas palavras do meu Chefe de Pelotão, entrevi o deseje de que algo de "impossível" fosse tentado, mas era já tarde.
Tive vontade de pegar na arma, correr para a mata e gritar: saltai para aqui, filhos da p. que eu f. os c. nao havia nada a fazer; esperar secretamente que na noite seguinte, nao fosse a nossa vez e já era bastante.
Em Nambuangongo acontecia os "vizinhos"virem pedir caixões para os seus mortos; daquela vez, nao vieram.
Antonio S. Leitão.
Muito bem relatado, descrição que nos transporta a um tempo,que teimava em não passar.
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