Em matéria de guerra, devíamos começar por fazer nos próprios, o que exigimos dos outros.
(Alexandre o Grande.)
Durante o serviço militar, se queríamos saber o que nos reservava o dia seguinte, passávamos pela frente da secretaria, e depois de um olhar de soslaio à escala, dávamos meia-volta, mas podia acontecer que a secretaria viesse até nos. Com efeito naquela tarde, aparece no limiar da nossa caserna um escriturário trazendo na mao um papel que afixa na porta, enquanto lança lacónico: O Pelotão vai sair.
Eramos um mini Pelotão de Reconhecimento e Informação, que com outros tantos Sapadores constituíam o único grupo, que por natureza devia estar apto a sair a qualquer hora, mas aqui "sair"tinha um significado algo diferente: vestir rapidamente o camuflado, apertar à cinta as cartucheiras que com a arma, permaneciam dependuradas ao fundo da cama, encher o cantil de água e correr na direcção do portão, lugar de "rendez-vous "com os condutores que nos levariam ao destino, era isso "sair".
Geralmente a nossa "jurisdição"estendia-se por uma faixa de terreno que partindo de Ambrizete para Norte, podia ir até Quinzau ou Santo Antonio do Zaire, e para Sul, parávamos antes de Ambriz, sem nos afastarmos muito do Litoral, o que nos permitia "evoluir" sobre terreno mais ou menos plano.
Naquele dia deparamos com um cenário algo diferente. Destino secreto, objectivo confidencial. Ao chegarmos ao cruzamento onde habitualmente virávamos à esquerda, seguimos em frente e entramos em terra mais acidentada; depressa percebemos que a "muralha Atlântica"deixava de nos proteger. Envolvidos em espessas nuvens de po, percorremos algumas dezenas de quilómetros, e fomos "aterrar" no aquartelamento de uma das nossas Companhias Operacionais, "estacionada" em Tomboco.
Apeados que fomos das viaturas, indicaram-nos o rez-do-chao de uma casota cujo solo estava coberto de capim seco, ou seja palha, como um curral de porcos. Uma voz começou a reclamar se aquilo era para homens, ao que outra (a minha ) retorquiu que nos considerássemos felizes dormir ali, porque talvez outros estivessem em pior situação, e estavam mesmo.
Estávamos nestas conjecturas quando uma contra-ordem nos indica um lugar onde dois bojudos "pássaros" negros tinham pousado. Compreendemos entao que a situação nao era confortável. Dois helicópteros Puma, foram o suficiente para "tragar" o Pelotão. Descolamos direcção ao Sul, estava o dia a chegar ao fim, quando pousamos sobre o cume de uma montanha.
Estávamos na época do cacimbo, mas alguém "esqueceu" de nos avisar que iríamos dormir apenas com a roupa que levávamos. Se nas zonas humidas o capim pode culminar a cerca de dois metros, aqui dificilmente atingia os 50 centímetros, e era raro. conseguimos todavia o suficiente para enrolados como porquinhos nos protegermos do relento.
No dia seguinte um helicóptero trouxe-nos ração de combate e agua, mas o precioso liquido vinha em "jerricanes" do gasoleo; pouco importava, era aquela ou nada. Passou-se uma noite, outra e mais outra; os dias sucediam-se iguais e "ainda" bem. Fomos entretanto "informados" que um numeroso grupo de guerrilheiros tinha penetrado na zona, dai a razão pela qual o nosso Batalhão estava "mobilizado" a fim de os impedir de ir mais longe.
Consta que na sequência de uma tentativa de aterragem de heli. um Pelotão nosso foi atacado e disperso alguns colegas teriam andado perdidos durante 3 dias. Do "ar condicionado" teria emanado ordem para que a zona fosse bombardeada o que o Com. de Bat. teria recusado. Aprendi a considerar credíveis as informações compostas de 3 noticias diferentes mas convergentes, pelo que poria aqui 1 (?).
Perorando perante a nossa Comp. de tomboco, teria o mesmo Com. afirmado que um Bat. enquanto nao tivesse meia-duzia de mortos, nao se poderia considerar um verdadeiro Bat. Teria dito isso?
Começávamos a "gostar" da "cama", quando ao fim da nona noite, veio a ordem de regresso, mas habituado que estava a dormir no chão, tive dificuldade em dormir de novo no meu leito. Faz-me lembrar
certas consciências "aviltadas" que habituadas a certas situações, afirmam que o antigamente era melhor.
Antonio S. Leitão.