Que Manuel Alegre
me mande prender se quiser, mas não resisto à tentação de inserir aqui um dos
poemas deixados (provavelmente por ele) em Nambuangongo, e que secretamente
circulavam entre certas mãos; quanto a mim, só aceitei copia-los já no fim da
comissão, tal era o medo que alguém bufasse junto do Capitão.
Brilham as luzes de
Nambuangongo
Que de longe
parecem perto e perto
Parecem longe,
porque são assim as luzes
nos olhos dos
soldados quando à noite
vão de Quipedro a
Nambuangongo.
Não vás pensar que
são as luzes da tua aldeia.
Não há lugar em
Nambuangongo
Para a ternura da
tua aldeia.
Brilham na noite
camarada, mas são enganos
Não vás pensar que
são as luzes da tua aldeia.
Amigo, escuta: se
acontecer
Teres saudades
fecha os olhos
Não queiras ver as
luzes que são longe e perto
E perto e longe não
queiras ver
Amigo as luzes de
Nambuangongo.
Eu sei que custa.
Dentro de ti
Há outras luzes que
não são as luzes de Nambuangongo.
E a bala espreita,
eu sei que custa
Posso ser eu podes
ser tu
Entre Quipedro e
Nambuangongo.
E há outras luzes,
caminhos de outras aldeias.
Essas porem, não
são as luzes que nos esperam.
E não veras rostos
amados. E não terás
Um fogo ardendo
para ti que vens de longe.
Ninguém lá onde
brilham as luzes para ninguém.
Brilham na noite,
camarada, mas são enganos
Ai são enganos
essas luzes perto e longe.
Dentro de ti há uma
candeia, E não veras
rostos amados.
Fecha os olhos camarada
só são as luzes de
Nambuangongo.
Morrer podemos. Mas
não chorar. Lágrimas?
Só essas lágrimas
que ao longe brilham
Lágrimas luzes de
Nambuangongo choram por nos
Brilham por nos,
mas são enganos camarada
Não são as luzes da
tua aldeia.
Manuel Alegre.
O que custava, não
era só a ausência de rostos amados; não era só recusarem-nos um pedaço de pão
para comer com a ração de combate; não era só a incerteza de regressarmos
inteiros; era também a soberba, o cinismo de certos senhores que tendo feito da
guerra profissão, nos faziam a vida negra.
A.L.