É FILHO DE BOA GENTE!A l'attention de mes lecteurs :

GUERRA COLONIAL EM ANGOLA. DO ZAIRE AU CUNENE, PASSANDO PELOS DEMBOS.
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OBRIGADO PELA SUA VISITA.

QUEM NAO SE SENTE, NAO É FILHO DE BOA GENTE!


Se servistes a Patria que vos foi ingrata, vos fizestes o que devieis, e ela o que costuma.
Padre Antonio Vieira.

A nação é de todos. a nação tem de ser igual para todos. Se nao é igual para todos, é que os dirigentes que se chamam Estado, se tornaram quadrilha.
Aquilino Ribeiro. In quando os lobos uivam.

"patria", confiscaste-me os meus melhores três anos. Diz-me agora o que posso confiscar-te.

lundi 31 décembre 2012

SURPRESAS EM TEMPOS DE GUERRA.




Quando chegávamos à guerra, recebíamos, como é natural uma espingarda, e com ela, uma centena de cartuchos que conservávamos em permanência quase sempre,( a menos que houvesse um armeiro), dependurados ao fundo da cama. Quando íamos para o exterior, que por vezes se confundia com o interior, podíamos completar o nosso “arsenal” com duas granadas que devíamos solicitar na arrecadação.
Convém recordar que se para as munições necessitávamos de cartucheiras, também para as granadas havia uma espécie de bolsas de lona, a que se chamava porta-granadas.
Tudo corria na maior das normalidades até que um dia o Com. de Comp. decidiu que o nosso pelotão na necessitava de granadas, por conseguinte de porta-granadas, e estes deviam ser atribuídos não sei a quem.
Cumpre-me referir que estando o nosso pelotão, (Pel. Rec. e Sapadores), integrado na CCS., a nossa guerra era menos “corpo a corpo”, visto participarmos em menos operações que as Comp. Operacionais, mas fazíamos mais escoltas, quem sabe se veio dai a razão pela qual foi decidido que aqueles pedaços de lona eram supérfluos para nos.
É do conhecimento de todos que aquilo fazia um barulho tremendo. Quem sabe poderíamos nos confundi-las com estalinhos do S. João?! Todo o cuidado era pouco no entender dos nossos Comandantes. Imagine-se que ripostávamos com granadas a um ataque qualquer; podia passar por ali uma manada de elefantes; imaginemos  aqueles elefantezinhos tão queridos correrem para junto da mãe: o mama olhe que aqueles homens puseram-me medo.
Passaram-se muitos  meses antes que, cabisbaixos, pudéssemos voltar à arrecadação de material de guerra, e como se pedíssemos um grande favor: Eh pá, empresta-me duas granadas; evidentemente que  desta feita já podíamos dispor do tal pedaço de lona.
Note-se na zona onde estávamos o odor de pólvora era mais intenso, e a bicharada era suposta manter-se a certa distancia. A guerra reservava-nos destas surpresas.

António S. Leitão.
  

samedi 13 octobre 2012

NAMBUANGONGO MEU AMOR.



Por Manuel Alegre.

Em Nambuangongo tu não viste nada
Não viste nada nesse dia longo longo
A cabeça cortada
E a flor bombardeada
Não tu não viste nada em Nambuangongo.

Falavas de Hiroxima tu que nunca viste
Em cada homem um porto que não morre
Sim, nos sabemos que Hiroxima é triste
Mas ouve, em Nambuangongo existe
Em cada homem um rio que não corre.

Em Nambuangongo o tempo cabe num minuto
Em Nambuangongo, a gente lembra a gente esquece
Em Nambuangongo olhei a morte e fiquei nu.
Tu não sabes, mas eu digo-te: dói muito.
Em Nambuangongo há gente que apodrece.

Cemitério de Nambuangongo.
Em Nambuangongo a gente pensa que não volta
Cada carta é um Adeus em cada carta se morre
Cada carta é um silêncio, uma revolta.
Em Lisboa na mesma, isto é a vida corre.
E em Nambuangongo a gente pensa que não volta.

É justo que me  fales de Hiroxima.
Porém tu  nada sabes deste tempo longo longo
Tempo exactamente em cima
Do nosso tempo. Ai tempo onde  a palavra vida rima
Com a palavra morte em Nambuangongo.

PS. Que o autor me deixe desabafar antes que morra. Quanto àqueles que me “novedoislilixaram”, se lá tivessem passado uns meses, agiriam de outra forma.



dimanche 7 octobre 2012

PREPARAÇÃO OU NAO PREPARAÇÃO.




Segundo informações publicadas por um grande  hebdomadário, durante a guerra   colonial, morria-se por falta de  por falta de preparação.
S. Joao 1972.
Entre Ambrizete e S. Salvador
Um massacre.
Gostava que o autor de tal afirmação observasse esta foto. Prezado senhor, pode explicar-me como fazia para escapar a um dilúvio de fogo como o que vitimou os nossos colegas? Aconteceu algures no Norte de Angola no ano de 72. Não vou dizer-lhe quantos mortos houve, mas estou convencido que se o Senhor viajasse  nessa Berliet , podia dar quantas cambalhotas quisesse, ou melhor, a única cambalhota que dava, era já um cadáver, a menos que,( aconteceu num pelotão de uma Companhia nossa “vizinha”) as cartucheiras lhe ficassem entaladas nas fasquias do banco e  ficasse ai mesmo, com um furo na cabeça como o nosso colega.
O Senhor caiu em muita emboscada? Saiu muita vez da zona de fogo para envolver o inimigo pela retaguarda? Provocou muitas  baixas nas hostes inimigas? Pois bem, meu Caro Senhor, não ressuscitou os nossos mortos.
Milagrosos S. Bento...
O Senhor esteve em Angola? Conheceu a região dos Dembos? Fez muita vez o trajecto entre Nambuangongo e Quipedro, ou entre Nambu. e Madureira ou Zala? Atravessou o Canacassala? Recorde o capim de dois  metros de altura que se curvava à nossa passagem como que a dar-nos as boas-vindas O IN podia estar a dois ou três metros da picada e quase nos podiam apanhar à mão. Bastava meia-duzia de guerrilheiros bem emboscados e nos empoleirados as meias-duzias nos nossos hunimogues, caiamos como tordos, e o Senhor lerpava também; e os seus colegas também; as balas não faziam ricochete na vossa pele para penetrar na nossa. Quantas vezes?! Nambu Quipedro. S.ta Eulália, Madureira, Beira-Baixa.
... e Santa Luzia, velaram
por mim.
Sejamos modestos, estimado Senhor; na guerra  morria-se simplesmente e convenhamos que para sair ileso de uma região como aquela, ou de outras tristemente célebres, talvez fosse questão de milagre. Quanto a mim diria: Milagrosos S. Bento e S.ta Luzia, Padroeiros da minha parvónia em cuja capelinha eu fui sacristão entre os dez e quinze anos, (o Senhor quer que lhe recorde a confissão em latim?) velaram por mim.
Os nossos camaradas que caíram nas matas Africanas,  bem preparados ou mal merecem-nos todo o respeito, tanto mais que o “Soviético” de Santa Comba abandonou por lá muitos deles como se de animais se tratasse.
Agora que somos amigos,(?) Estimado Senhor, permita-me  um pouco de historia: Os Vietnamitas derrotaram o Corpo Expedicionário francês em Diên Biên Phu em 1954,  e expulsaram os Americanos vinte anos depois, e agora?!  Se me permite, mais uma vez: sejamos modestos.
Antonio Leitão.

jeudi 4 octobre 2012

PORQUÊ?




Durante muitos anos, para que não tivesse mais pesadelos, tentei esquecer para sempre um dos períodos mais negros da minha existência, ou seja a tropa e a guerra, mas a pátria madrasta bateu-me à porta, a pátria ingrata teve pejo de me pegar na mão, puxou-me pega manga e através da sua assembleia, e lei 9/2002 vieram recordar-me o meu triste passado dizendo-me que devia continuar a trabalhar mesmo para lá dos sessenta, já que há castas superiores que têm a prioridade e visto eu nunca ter tido a caixa a culpa é minha, por conseguinte, trabalha filho da mae.
Pois bem, “pátria” aqui tens o passado.
Antonio Leitão.

dimanche 30 septembre 2012

lundi 16 juillet 2012

ERA UMA VEZ UM ANANAS.




Cansado de criticar o menu que nos era servido durante a guerra em Angola, decidi um dia desbloquear cinco escudos do meu magro orçamento, para comprar um ananás. Estando nos em zona pacifica, entravam diariamente no quartel, dois miúdos de cor que por vezes eram “utilizados” como moços de recados.
Chamei um deles, dei-lhe dez escudos para que fosse à cidade comprar-me o tal fruto açucarado. Sabendo de antemão que o ananás custava cinco escudos, esperava logicamente receber outro tanto de troco, mas qual não foi a minha surpresa quando o “nosso” pretinho me estende uma mão com o ananás, outra com uma laranja servindo de troco.
Tive vontade de o acusar de ter gasto o troco em laranjas e de ter reservado uma para mim, mas pareceu-me tão sincero que me comoveu, e disse-lhe: come tu a laranja, e deste modo o fruto que devia ter custado cinco mil reis, custou-me dez.
Não disse nada a ninguém, mas um dia um colega envia um dos miúdos comprar um barra de sabão clarim, e quando verifica o conteúdo da embalagem, constata que o sabão foi cortado ao meio e a embalagem colada com fita adesiva. Ai não havia ambiguidades o “moço” não comia o sabão e o meu camarada envia-o acto continuo reclamar à mulher do sabão, (não soube se era a mesma da fruta), que o sabão era para um tropa, e que queria uma barra completa. Evidentemente que a “ordem” foi executada, e “conclui” então que  algo de estranho se passou com o meu ananás.
Acontecia isto num pais que possuía reservas de ouro de entre as maiores do mundo, (palavras de salazaristas), e que exercia a sua soberania num dos países mais ricos (ou o mais rico de toda a África). O preço de uma laranja ou de um banana era de cinco tostões, quando compradas a retalho, por conseguinte por grosso não ultrapassaria os 3 ou 4 . Ouso perguntar: Não havia naquele orçamento de Estado ou da Comp. margem de manobra para nos atribuírem meia-duzia de tostões quotidianamente a fim de termos como na Metrópole um fruto ao jantar, e um copito de vinho ao almoço?
Estávamos nos prontos a morrer e ser por lá  abandonados como se de cães se tratasse, e éramos assim tratados. Há quem diga que estava tudo muito bem, e ate há quem chore o regime fascista; os Norte-Coreanos também choram a morte do “pai” presidente. Os comunistas têm a “coragem” de se dizer ateus, os fascistas diziam-se cristãos. Que se juntem todos, há sempre quem pugne por mais paz e justiça.

Antonio Leitão.

jeudi 12 juillet 2012

MAE.




Mamae, que estas tão longe de mim
Mamae sinto que estas a chorar
Não chores na minha ausência
Que um dia hei-de voltar!

Não chores, e pensa agora
Que o tempo passa depressa
Pede a Deus que te tire esse tormento
Que brande teu sofrimento
Desse teu formoso rosto

Mamae, não chores que eu volto!

Não chores, e pensa agora
Que o tempo passa depressa...

(Conjunto Oliveira Muge ).

Segundo certas fontes, o regime da epoca, proibiu a difusão desta canção em Moçambique. Se alguem quizer esclarecer...
A.L.

dimanche 8 juillet 2012

O AEROGRAMA




O CAMISOLA AMARELA, OU AEROGRAMA.

Quantas angustias, tristezas, sofrimentos alegrias poucas transitaram atraves destes simples papeis amarelos.
Quantos silêncios quantos gritos de revolta ficaram nas entrelinhas.
Aproveito o ensejo para prestar uma vibrante homenagem às MADRINHAS DE GUERRA que por vezes sem nos conhecerem, nos transmitiam força, luz animo coragem para enfrentarmos as agruras da guerra. diga-se sem demagogia: sem elas, coitados de nos.
Antonio Leitão.

Nota. A primeira associação das Madrinhas de Guerra foi fundada em França no ano de 1915.

vendredi 29 juin 2012

AS LUZES DE NAMBUANGONGO




Que Manuel Alegre me mande prender se quiser, mas não resisto à tentação de inserir aqui um dos poemas deixados (provavelmente por ele) em Nambuangongo, e que secretamente circulavam entre certas mãos; quanto a mim, só aceitei copia-los já no fim da comissão, tal era o medo que alguém bufasse junto do Capitão.

Brilham as luzes de Nambuangongo
Que de longe parecem perto e perto
Parecem longe, porque são assim as luzes
nos olhos dos soldados quando à noite
vão de Quipedro a Nambuangongo.

Não vás pensar que são as luzes da tua aldeia.
Não há lugar em Nambuangongo
Para a ternura da tua aldeia.
Brilham na noite camarada, mas são enganos
Não vás pensar que são as luzes da tua aldeia.

Amigo, escuta: se acontecer
Teres saudades fecha os olhos
Não queiras ver as luzes que são longe e perto
E perto e longe não queiras ver
Amigo as luzes de Nambuangongo.

Eu sei que custa. Dentro de ti
Há outras luzes que não são as luzes de Nambuangongo.
E a bala espreita, eu sei que custa
Posso ser eu podes ser tu
Entre Quipedro e Nambuangongo.

E há outras luzes, caminhos de outras aldeias.
Essas porem, não são as luzes que nos esperam.
E não veras rostos amados. E não terás
Um fogo ardendo para ti que vens de longe.
Ninguém lá onde brilham as luzes para ninguém.

Brilham na noite, camarada, mas são enganos
Ai são enganos essas luzes perto e longe.
Dentro de ti há uma candeia, E não veras
rostos amados. Fecha os olhos camarada
só são as luzes de Nambuangongo.

Morrer podemos. Mas não chorar. Lágrimas?
Só essas lágrimas que ao longe brilham
Lágrimas luzes de Nambuangongo choram por nos
Brilham por nos, mas são enganos camarada
Não são as luzes da tua aldeia.

Manuel Alegre.

O que custava, não era só a ausência de rostos amados; não era só recusarem-nos um pedaço de pão para comer com a ração de combate; não era só a incerteza de regressarmos inteiros; era também a soberba, o cinismo de certos senhores que tendo feito da guerra profissão, nos faziam a vida negra.

A.L.

samedi 16 juin 2012

O SENTINELA II




La au fundo, estava o mar, (*)
Por diversas vezes estive decidido a rasgar esta foto, porque  convenhamos que faço mesmo figura de parvo.  Não importa a figura que faço o que era, ou o que sou ; o importante é saber o porquê da minha  presença naquele lugar.
mas o inimigo nao tinha lanchas, (*)
Estando eu com a arma na mão, junto ao arame farpado, significa que estava de sentinela, e lá ao fundo estava o mar.  Acontecia porem que o inimigo não vinha pelo mar; o IN. (1) não dispunha de lanchas de desembarque, de fragatas, de submarinos, e muito menos de porta-aviões. Que o digam os nossos irmãos de armas, os ex-fuzileiros de S. A. Do Zaire, que, (diga-se de passagem nos testemunharam uma estima enorme, aquando da nossa breve estadia naquela vila.

fragatas, (*)
Se ao fundo se vê o mar, não se nota que por de traz de mim, estava o refeitório e a cozinha e era ai que residia o perigo; não que nos roubassem as nossas loiças de cristal; não que alguém tentasse roubar-nos o nosso caviar. O perigo era personalizado pelas crianças Angolanas, (pretas evidentemente), que esfomeadas, vinham na hora  da refeição com um saco de plástico, no interior do qual levavam o que lhes dessem, inclusive os restos da sopa. Vi muito mendigo na vida, mas levar caldo num saco de plástico, só na Angola milionária que me levou aqueles que deviam ter sido, os meus melhores três anos. Foi então decidido que os restos do nosso rancho não mais serviriam para matar a fome aos pretinhos, mas destinar-se-iam a engordar porcos que comprados pequenos, transitariam depois de crescidos para o rancho da Companhia.
submarinos, (*)
Ignoro se alguém recordou ao Capitão, que era uma obra de Misericórdia dar de comer a quem tem fome, todavia era tempo perdido, não éramos só nos os soldados que devíamos em permanência “meter o rabo entre as pernas”: ai daquele que ultrapassasse os “limites”.
nem porta-avioes. (*)
Exceptuando o sadismo, a malvadez  que consistia em privar os miúdos dos nossos restos, quem sabe se a decisão ate poderia ser considerada normal; quem sabe se era a única possibilidade de saborearmos uns bons presuntos, mas qual presunto qual carapuça. No caminho que levava os suínos da pocilga para a cozinha havia algo de misterioso e o mistério nunca foi desvendado. Segundo informações da época, os porcos eram vendidos à Companhia. Mas... quem comprava, quem vendia? Eis o enigma e deste modo, lá  estava eu de sentinela armado em parvo, naquele domingo junto à praia, (faltava-me a cabana do José Cid), a fim de dissuadir os esfomeados de se aproximarem da nossa cozinha.

(1) inimigo.
(*) fotos net. Com e devida vénia.

dimanche 4 mars 2012

VIA LACTEA, UMA SETA NO CORAÇAO DO CANACASSALA (*)




Naquela tarde, de entre os diversos trabalhos a efectuar  no interior  da colina que nos servia de quartel havia a recolha do lixo, e  fazendo eu parte do grupo  contemplado, dirigimo-nos para o lugar onde começava a  “tournée, isto é, para o refeitório enquanto o condutor ia buscar o veiculo para o efeito. Chegados ai, sentamo-nos o que era normal, enquanto  o “carro do lixo” não chegava.
Estava escrito que naquele dia tudo seria diferente, e subitamente vem de lá o Com. de Comp.  que grita ao Furriel que nos enquadrava: O nosso Furriel, ponha-me esses homens a trabalhar. Não podemos, meu Capitão, ainda não veio o carro, responde o Furriel. – Não quero saber, mas dai cá os vossos números, e tomai nota: vos sereis os primeiros a ir  p’ro  Canacassala.
Seria injusto falar de Nambuangongo sem citar todos os lugares tristemente celebres, (quem disse cus de judas?) que num raio de 50 quilómetros o circundavam, tais como Madureira e Zala a Norte, Beira-Baixa , Quicabo e Balacende a Oeste, Maria Fernanda e Tari a Sul, Quixico Lue e Quipedro, a Leste, ( desculpem se não conheci mais, mas as”agencias de viagens da época, não propunham os mesmos destinos a toda a gente), mas o que lhe dava o “charme”, a “magia”, era em minha  opinião  o Canacassala.
No  seio de um verde intenso, o Cana, como lhe chamávamos por  “afecto” era algo  de  impenetrável, de  indomável, sagrado, tabu; o  Cana, merecia todos os superlativos. Ei-lo sobranceiro, orgulhoso ,  altivo, como a dizer: Vos os audazes, venham dai, se são capazes.
Via Lactea, antes...
“Et pour cause”, as gentes daquelas bandas, recusavam-nos o direito de passagem.
Foi então decidido passar à força. Nos passaremos; “decretou” o Batalhão que nos precedeu. Aconteceu porem que, ou porque a força estava do outro lado, ou que não fosse o momento azado para  zaragatas, foi abandonada a contenda. Dando credito as “bocas” que circulavam, a operação apresentava-se como uma espécie de Cabo das Tormentas; não havia por lá Adamastores, mas a guerrilha que por lá tinha assentado arraiais, provou que não passava quem queria ou como queria. 
Voltaram à carga as NT aquando da nossa presença. No dia aprazado  foi empreendida a grande caminhada, na companhia da Junta Autónoma de Estradas de Angola, porque o objectivo era desobstruir uma artéria nunca dantes “navegada”, isto é, abandonada à natureza desde o inicio das hostilidades. A vegetação que no inicio se limitava a um simples capinzal, depressa se transformou num espesso manto verde “Sporting” que ameaçava asfixiar-nos. A certa altura dei comigo a caminhar ao lado de um cozinheiro que ascendia uma fogueira por baixo de grande bidon a que chamava panela, montado sobre um atrelado. Intrigado, fiquei a saber que tinha em sua posse ingredientes suficientes para confeccionar uma panela de sopa que nos seria servida ao jantar.
Imaginemos que éramos atacados naquele momento: virava-se a panela, caia a sopa e estava o caldo entornado. Aproveito para agradecer ao ex-Capitao Canito, ( creio que era ele que comandava as operações), e graças a ele tínhamos pão para acompanhar a ração de combate. Conheci esse Oficial no RI-6, e notei que tinha qualidades humanas raras em militares. Agradeceria também ao ex-Alferes do Pel. de Morteiros, (era ele que nos comandava, e a dada altura disse que se pudesse nos pagava 1 cerveja. Talvez o facto de ser “maçarico” o tornasse mais “bacano”. Pobre Alferes, mal chegou a Nambu. foi logo para o Cana.
...E depois.
O acaso que fez com que a certa altura eu andasse no grupo da frente, quis também que mais tarde, fosse enviado para o acampamento que acabava de ser improvisado   e no interior do qual nos passaríamos a noite. Creio que a minha “missão” era guardar o material do meu pelotão, uma espécie de plantão. Antes, tive a ocasião de constatar que parte do meu grupo entre outros tinha enveredado por uma picada perpendicular aquela que seguíamos, direcção Norte. Depois de “instalado” nas minhas novas funções, notei a presença de uma peça de artilharia apontada  na direcção de um ponto intermediário entre Norte e Leste. Talvez estivéssemos perto do centro nevrálgico do que se podia considerar o Quartel General da guerrilha, porque depois de  enviada a primeira salva, apareceu no céu do Canacassala um pequeno avião. Começa então um dialogo de surdos entre o Capitão artilheiro e  o piloto do avião: O pássaro voe mais baixo, pássaro... ... Nos  temos de  fazer isto hoje, pássaro... ... Que o piloto  temesse ser atingido por um projéctil nosso, ou  que outra coisa proveniente do solo, lhe quebrasse  uma asa, decidiu não voar mais baixo.
Depois de "instalado" nas minhas novas "funções",
notei a presença de uma peça de artilharia.
(foto net.)
Pouco depois o “pássaro” bateu as asas e foi-se embora. Ultimo lamento do Capitão artilheiro: O pássaro, eu vi-o fazer sinal de asas, pássaro . O “pássaro” não mais voltou. No dia seguinte prosseguíamos o nosso caminho através do que deixou de ser picada, para se tornar floresta densa, conscientes de que a qualquer momento, uma saraivada de chumbo podia abater-se sobre nos e alguns de nos poderíamos ir fazer companhia àqueles que no cemitério de Nambuangongo  repousavam (ou apodreciam?) abandonados como se de animais se tratasse, mas tudo parecia conjugar-se para que concluíssemos a operação sem incidentes.
Começávamos entretanto, a ver a luz ao fundo do túnel: começava a cheirar não a Lisboa, mas à Beira-Baixa , já que a picada que reabríamos ligava um ponto situado algures a Norte de Nambu. a uma roça de café situada nesta localidade no interior da qual estava “instalada” uma das nossas Companhias Operacionais. Senti como que um pouquito de orgulho por ter estado com eles nessa operação.
Finalmente... ... que o IN estivesse distraído ou que tivesse “do” de nos, passamos( tanto quanto sei) sem problemas. No ultimo dia, dormimos em  “casa” dos nossos camaradas da Beira-Baixa. Os  mais corajosos  foram à caça ao javali. Não participei na caçada, mas participei no jantar  preparado com a carne proveniente da batida na Secção Auto. Obrigado ao nosso amigo Cascais por nos ter convidado .


P.S. Que os vindouros saibam que a guerra nao era so aquilo que os jornais diziam, mesmo se as nossas "Pravdas" nao contavam grande coisa. Havia seres que pensavam ter direito de vida e de morte sobre nos.
(*) Titulo de um artigo publicado na época pelo semanario( Noticia)

samedi 18 février 2012

CULPADO.







Culpado de ter nascido sob o fascismo!
Culpado de ter frequentado “escolas” sem retrete
Culpado de ter ido trabalhar no campo aos oito anos!
Culpado de ter ido quebrar calhaus aos quinze!
Culpado de ter ido para a guerra aos vinte!
Culpado de ter emigrado aos vinte e cinco!
Culpado de ter sido privado de meninice, enquanto eles eram meninos até aos vinte!
Condenado por um punhado de “Barões” que entenderam que os meus anos de guerra não contam para efeitos de aposentação, porque precedidos de vinte anos de miséria! Levantai-vos terras áridas: Quem foi que com suor e lágrimas vos sachou, cavou e lavrou anos e anos sem proveito algum? Nos os que nunca tivemos a caixa. Levantai-vos pedras da calçada: Que foi que aos 15 anos foi quebrar rochedos a fim de os transformar naquilo que sois hoje? Nos os que nunca tivemos a caixa!
Quando tinha vinte anos, enviaram-me para aqui.
Agora, velho trôpego, dizem-me que  trabalhe;
oxalá o inferno exista e eles as paguem com lingua de palmo.
Mas que venham dai os “Barões” que me “novedoismilixaram”: Eu empresto-lhes uma marreta de sete quilos e que vão quebrar pedra como eu fui! Que tragam os filhos, de preferência descalços; os meninos que vão caminhar na caquinha dos bovinos; que vão levar coices e marradas; guardar ovelhas como foram os mais inteligentes da minha turma, mas que nunca tiveram a caixa que agora serve de pretexto para com uma “cuspidela” nos marginalizarem.
Benditos deputados, Benditos ministros, Abençoados os Presidentes que tornaram possível tal lei; esta gente ira toda para o Céu. Eu morrerei mais cedo, mas quando eles lá chegarem, já eu conheço a topografia da casa, e quando eles me perguntarem onde são as casas de banho, eu vou envia-los na direcção errada e eles não vão encontrar e regressarão todos borrados. Perguntar-lhes-ei então onde estão os Mercedes, e eles vão constatar tristemente que deixaram cá tudo e que não valia a pena tanto cinismo.
P.S. Dizem-me agora que vá consultar a caixa Francesa, a fim de que ela contabilize os meus anos de guerra para efeitos de Aposentação. Não fiz a guerra do Vietname nem a da Argélia com e exercito Francês, mas eu irei “consulta-la”e se a resposta for positiva, cantarei também:
E para começar
Eu só vou gostar
De quem gostar de mim.
Antonio Leitão.


jeudi 9 février 2012

BEM-VINDOS EM TERRA CUANHAMA.

O que devia ser motivo de satisfação na vida: ser cada dia mais justo, mais generoso, mais simples, mais humano.        
James Freeman Clarke.              

Depois  de S. António do Zaire, onde alguns de nos estivemos destacados um mês, depois do “paraíso” de Ambrizete, depois do “inferno” de Nambuangongo eis-nos  agora no “purgatório” de Pereira d’Eça.  Aqui expiaríamos os últimos “pecados”.
As montanhas dos Dembos sucediam as planícies sem fim; à floresta quase virgem, sucedia uma paisagem quase nua como se o deserto da Namíbia quisesse colonizar o Cunene; à terra que produzia café, sucedia um solo árido que associado a um clima seco pontuado por violentas inundações era pouco pródigo em produção agrícola.
Nas nossas digressões pela zona encontrávamos alguns campos de massango, (painço) que depois de esmagado num buraco feito num pedaço de madeira, era utilizado para confeccionar o tradicional funge, alimentação de base da população local.
Zona mais propicia para o pastoreio, encontrávamos muitos caprinos e suínos, mais raros eram os bovinos. Paradoxalmente as cheias “punham” à disposição da população certa quantidade de peixe que segundo nos disseram provinha do rio Cunene que distava de noventa quilómetros, mas a origem podia ser outra. Diga-me Sra. Prof., é verdade que os ovos dos peixes podem sobreviver enterrados na areia e eclodir ao contacto da agua? Olhe que eu não sabia.
De onde em onde havia pequenos lagos artificiais que tinham o dom de reter alguma agua das cheias e que depois constituíam uma reserva para que o gado não sofresse tanto os efeitos da época seca. Nos efectuávamos patrulhas de dois dias no âmbito de certa acção psicológica; íamos ao encontro das populações isoladas no interior da savana.
“Navegando” para Sul, “descobrimos” a linha recta mais longa de toda a África, (assim me contaram) ou seja a fronteira com a Namíbia. Constava então, que quando a fronteira foi implantada cortou ao meio a etnia Cuanhama.  A partir de então entenderam os Cuanhamas da Namíbia reivindicar o território ocupado pelos “irmãos” Angolanos e vice-versa. Coube a “iniciativa” aos  da Namíbia, que um dia derrubaram  a irrisória fronteira existente, como se quisessem ocupar o distrito do Cunene.  Seguiu-se um protesto de Portugal na O.N.U. que obrigou os Ingleses a “reconstrui-la”, dai a imponente barreira de arame farpado.
Permaneceríamos por aqui nove meses, porque no fim do tempo regulamentar, fomos presenteados com um prolongamento de quatro meses o que totalizaria  vinte e oito períodos de 30 dias em terras de Angola.

A.L.

samedi 28 janvier 2012

ERA UMA VEZ, NO CUNENE.




Kimbo ou "residencia" local.
Naoatu?!- Disseram os miudos quando eu passava.
hêêê! Respondi eu, e trouxe esta imagem.
Pobres Cuanhamas pequeninos!
Aqui esmagava-se o massango,vulgo painço, alimentação de base
da população local.
Capinagem. aqui pudemos fazer uma pausa sem apanhar nove reforços de
castigo, ou ir para  para o Canacassala.
Naquele dia, tive a sorte de encontrar uma sachola
com cabo comprido...

...Por vezes nao iam alem dos 60 ou 70 centímetros.
Enquanto "saboreava" as delicias do regime fascista, familiarizava-me
com o universo do Gulague.
Como eu gostava de ler...
... O Capitão enviou-me para aqui 10 dias, a fim de que  eu
lesse o livro todo.
Depois da seca, vinham as inundaçoes.
Atolados na lama.
O ramo de arvore em forma de (Y) indicava a entrada
ou saida de uma palissada que cercava as "residencias"
da savana.
Era nossa missão ir ao encontro das pessoas isoladas e
com a ajuda de um interprete e dos nossos enfermeiros, fazíamos por
elas o que podíamos. E como diz o poeta: Quem faz o que pode, faz o que deve.
Contaram-me que no tronco ...
...desta arvore, o Rei Bandume, experimentava as armas que mais tarde
utilizaria contra os Portugueses.
No âmbito de uma visita do Governador Geral,
certas etnias da região, vieram à cidade.