É FILHO DE BOA GENTE!A l'attention de mes lecteurs :

GUERRA COLONIAL EM ANGOLA. DO ZAIRE AU CUNENE, PASSANDO PELOS DEMBOS.
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OBRIGADO PELA SUA VISITA.

QUEM NAO SE SENTE, NAO É FILHO DE BOA GENTE!


Se servistes a Patria que vos foi ingrata, vos fizestes o que devieis, e ela o que costuma.
Padre Antonio Vieira.

A nação é de todos. a nação tem de ser igual para todos. Se nao é igual para todos, é que os dirigentes que se chamam Estado, se tornaram quadrilha.
Aquilino Ribeiro. In quando os lobos uivam.

"patria", confiscaste-me os meus melhores três anos. Diz-me agora o que posso confiscar-te.

dimanche 4 mars 2012

VIA LACTEA, UMA SETA NO CORAÇAO DO CANACASSALA (*)




Naquela tarde, de entre os diversos trabalhos a efectuar  no interior  da colina que nos servia de quartel havia a recolha do lixo, e  fazendo eu parte do grupo  contemplado, dirigimo-nos para o lugar onde começava a  “tournée, isto é, para o refeitório enquanto o condutor ia buscar o veiculo para o efeito. Chegados ai, sentamo-nos o que era normal, enquanto  o “carro do lixo” não chegava.
Estava escrito que naquele dia tudo seria diferente, e subitamente vem de lá o Com. de Comp.  que grita ao Furriel que nos enquadrava: O nosso Furriel, ponha-me esses homens a trabalhar. Não podemos, meu Capitão, ainda não veio o carro, responde o Furriel. – Não quero saber, mas dai cá os vossos números, e tomai nota: vos sereis os primeiros a ir  p’ro  Canacassala.
Seria injusto falar de Nambuangongo sem citar todos os lugares tristemente celebres, (quem disse cus de judas?) que num raio de 50 quilómetros o circundavam, tais como Madureira e Zala a Norte, Beira-Baixa , Quicabo e Balacende a Oeste, Maria Fernanda e Tari a Sul, Quixico Lue e Quipedro, a Leste, ( desculpem se não conheci mais, mas as”agencias de viagens da época, não propunham os mesmos destinos a toda a gente), mas o que lhe dava o “charme”, a “magia”, era em minha  opinião  o Canacassala.
No  seio de um verde intenso, o Cana, como lhe chamávamos por  “afecto” era algo  de  impenetrável, de  indomável, sagrado, tabu; o  Cana, merecia todos os superlativos. Ei-lo sobranceiro, orgulhoso ,  altivo, como a dizer: Vos os audazes, venham dai, se são capazes.
Via Lactea, antes...
“Et pour cause”, as gentes daquelas bandas, recusavam-nos o direito de passagem.
Foi então decidido passar à força. Nos passaremos; “decretou” o Batalhão que nos precedeu. Aconteceu porem que, ou porque a força estava do outro lado, ou que não fosse o momento azado para  zaragatas, foi abandonada a contenda. Dando credito as “bocas” que circulavam, a operação apresentava-se como uma espécie de Cabo das Tormentas; não havia por lá Adamastores, mas a guerrilha que por lá tinha assentado arraiais, provou que não passava quem queria ou como queria. 
Voltaram à carga as NT aquando da nossa presença. No dia aprazado  foi empreendida a grande caminhada, na companhia da Junta Autónoma de Estradas de Angola, porque o objectivo era desobstruir uma artéria nunca dantes “navegada”, isto é, abandonada à natureza desde o inicio das hostilidades. A vegetação que no inicio se limitava a um simples capinzal, depressa se transformou num espesso manto verde “Sporting” que ameaçava asfixiar-nos. A certa altura dei comigo a caminhar ao lado de um cozinheiro que ascendia uma fogueira por baixo de grande bidon a que chamava panela, montado sobre um atrelado. Intrigado, fiquei a saber que tinha em sua posse ingredientes suficientes para confeccionar uma panela de sopa que nos seria servida ao jantar.
Imaginemos que éramos atacados naquele momento: virava-se a panela, caia a sopa e estava o caldo entornado. Aproveito para agradecer ao ex-Capitao Canito, ( creio que era ele que comandava as operações), e graças a ele tínhamos pão para acompanhar a ração de combate. Conheci esse Oficial no RI-6, e notei que tinha qualidades humanas raras em militares. Agradeceria também ao ex-Alferes do Pel. de Morteiros, (era ele que nos comandava, e a dada altura disse que se pudesse nos pagava 1 cerveja. Talvez o facto de ser “maçarico” o tornasse mais “bacano”. Pobre Alferes, mal chegou a Nambu. foi logo para o Cana.
...E depois.
O acaso que fez com que a certa altura eu andasse no grupo da frente, quis também que mais tarde, fosse enviado para o acampamento que acabava de ser improvisado   e no interior do qual nos passaríamos a noite. Creio que a minha “missão” era guardar o material do meu pelotão, uma espécie de plantão. Antes, tive a ocasião de constatar que parte do meu grupo entre outros tinha enveredado por uma picada perpendicular aquela que seguíamos, direcção Norte. Depois de “instalado” nas minhas novas funções, notei a presença de uma peça de artilharia apontada  na direcção de um ponto intermediário entre Norte e Leste. Talvez estivéssemos perto do centro nevrálgico do que se podia considerar o Quartel General da guerrilha, porque depois de  enviada a primeira salva, apareceu no céu do Canacassala um pequeno avião. Começa então um dialogo de surdos entre o Capitão artilheiro e  o piloto do avião: O pássaro voe mais baixo, pássaro... ... Nos  temos de  fazer isto hoje, pássaro... ... Que o piloto  temesse ser atingido por um projéctil nosso, ou  que outra coisa proveniente do solo, lhe quebrasse  uma asa, decidiu não voar mais baixo.
Depois de "instalado" nas minhas novas "funções",
notei a presença de uma peça de artilharia.
(foto net.)
Pouco depois o “pássaro” bateu as asas e foi-se embora. Ultimo lamento do Capitão artilheiro: O pássaro, eu vi-o fazer sinal de asas, pássaro . O “pássaro” não mais voltou. No dia seguinte prosseguíamos o nosso caminho através do que deixou de ser picada, para se tornar floresta densa, conscientes de que a qualquer momento, uma saraivada de chumbo podia abater-se sobre nos e alguns de nos poderíamos ir fazer companhia àqueles que no cemitério de Nambuangongo  repousavam (ou apodreciam?) abandonados como se de animais se tratasse, mas tudo parecia conjugar-se para que concluíssemos a operação sem incidentes.
Começávamos entretanto, a ver a luz ao fundo do túnel: começava a cheirar não a Lisboa, mas à Beira-Baixa , já que a picada que reabríamos ligava um ponto situado algures a Norte de Nambu. a uma roça de café situada nesta localidade no interior da qual estava “instalada” uma das nossas Companhias Operacionais. Senti como que um pouquito de orgulho por ter estado com eles nessa operação.
Finalmente... ... que o IN estivesse distraído ou que tivesse “do” de nos, passamos( tanto quanto sei) sem problemas. No ultimo dia, dormimos em  “casa” dos nossos camaradas da Beira-Baixa. Os  mais corajosos  foram à caça ao javali. Não participei na caçada, mas participei no jantar  preparado com a carne proveniente da batida na Secção Auto. Obrigado ao nosso amigo Cascais por nos ter convidado .


P.S. Que os vindouros saibam que a guerra nao era so aquilo que os jornais diziam, mesmo se as nossas "Pravdas" nao contavam grande coisa. Havia seres que pensavam ter direito de vida e de morte sobre nos.
(*) Titulo de um artigo publicado na época pelo semanario( Noticia)