Naquela
tarde, de entre os diversos trabalhos a efectuar no interior da
colina que nos servia de quartel havia a recolha do lixo, e fazendo eu parte do grupo contemplado, dirigimo-nos para o lugar
onde começava a “tournée, isto é,
para o refeitório enquanto o condutor ia buscar o veiculo para o efeito.
Chegados ai, sentamo-nos o que era normal, enquanto o “carro do lixo” não chegava.
Estava
escrito que naquele dia tudo seria diferente, e subitamente vem de lá o Com. de
Comp. que grita ao Furriel que nos
enquadrava: O nosso Furriel, ponha-me esses homens a trabalhar. Não podemos,
meu Capitão, ainda não veio o carro, responde o Furriel. – Não quero saber, mas
dai cá os vossos números, e tomai nota: vos sereis os primeiros a ir p’ro Canacassala.
Seria
injusto falar de Nambuangongo sem citar todos os lugares tristemente celebres,
(quem disse cus de judas?) que num raio de 50 quilómetros o circundavam, tais
como Madureira e Zala a Norte, Beira-Baixa , Quicabo e Balacende a Oeste, Maria
Fernanda e Tari a Sul, Quixico Lue e Quipedro, a Leste, ( desculpem se não
conheci mais, mas as”agencias de viagens da época, não propunham os mesmos destinos
a toda a gente), mas o que lhe dava o “charme”, a “magia”, era em minha opinião o Canacassala.
No seio de um verde intenso, o Cana, como
lhe chamávamos por “afecto” era
algo de impenetrável, de
indomável, sagrado, tabu; o
Cana, merecia todos os superlativos. Ei-lo sobranceiro, orgulhoso , altivo, como a dizer: Vos os audazes,
venham dai, se são capazes.
Via Lactea, antes... |
Foi
então decidido passar à força. Nos passaremos; “decretou” o Batalhão que nos
precedeu. Aconteceu porem que, ou porque a força estava do outro lado, ou que
não fosse o momento azado para
zaragatas, foi abandonada a contenda. Dando credito as “bocas” que
circulavam, a operação apresentava-se como uma espécie de Cabo das Tormentas;
não havia por lá Adamastores, mas a guerrilha que por lá tinha assentado
arraiais, provou que não passava quem queria ou como queria.
Voltaram
à carga as NT aquando da nossa presença. No dia aprazado foi empreendida a grande caminhada, na
companhia da Junta Autónoma de Estradas de Angola, porque o objectivo era
desobstruir uma artéria nunca dantes “navegada”, isto é, abandonada à natureza
desde o inicio das hostilidades. A vegetação que no inicio se limitava a um
simples capinzal, depressa se transformou num espesso manto verde “Sporting”
que ameaçava asfixiar-nos. A certa altura dei comigo a caminhar ao lado de um
cozinheiro que ascendia uma fogueira por baixo de grande bidon a que chamava
panela, montado sobre um atrelado. Intrigado, fiquei a saber que tinha em sua
posse ingredientes suficientes para confeccionar uma panela de sopa que nos
seria servida ao jantar.
Imaginemos
que éramos atacados naquele momento: virava-se a panela, caia a sopa e estava o
caldo entornado. Aproveito para agradecer ao ex-Capitao Canito, ( creio que era
ele que comandava as operações), e graças a ele tínhamos pão para acompanhar a
ração de combate. Conheci esse Oficial no RI-6, e notei que tinha qualidades
humanas raras em militares. Agradeceria também ao ex-Alferes do Pel. de
Morteiros, (era ele que nos comandava, e a dada altura disse que se pudesse nos
pagava 1 cerveja. Talvez o facto de ser “maçarico” o tornasse mais “bacano”.
Pobre Alferes, mal chegou a Nambu. foi logo para o Cana.
...E depois. |
Depois de "instalado" nas minhas novas "funções", notei a presença de uma peça de artilharia. (foto net.) |
Começávamos
entretanto, a ver a luz ao fundo do túnel: começava a cheirar não a Lisboa, mas
à Beira-Baixa , já que a picada que reabríamos ligava um ponto situado algures
a Norte de Nambu. a uma roça de café situada nesta localidade no interior da
qual estava “instalada” uma das nossas Companhias Operacionais. Senti como que um pouquito de
orgulho por ter estado com eles nessa operação.
Finalmente...
... que o IN estivesse distraído ou que tivesse “do” de nos, passamos(
tanto quanto sei) sem problemas. No ultimo dia, dormimos em “casa” dos nossos camaradas da
Beira-Baixa. Os mais
corajosos foram à caça ao javali.
Não participei na caçada, mas participei no jantar preparado com a carne proveniente da batida na Secção Auto.
Obrigado ao nosso amigo Cascais por nos ter convidado .
P.S. Que os vindouros saibam que a guerra nao era so aquilo que os jornais diziam, mesmo se as nossas "Pravdas" nao contavam grande coisa. Havia seres que pensavam ter direito de vida e de morte sobre nos.
(*) Titulo de um artigo publicado na época pelo semanario( Noticia)